segunda-feira, 7 de março de 2016

Aconteceu em Porto Alegre #10: David Gilmour na Arena do Grêmio (Parte 2 - Arthur)

Bem, faz algum tempo desde que a minha primeira parte do relato foi ao ar, mas vamos lá. Quem quiser dar uma relembrada, só clicar aqui.

Faltavam, talvez, cinco minutos para o horário do início do show e a Arena escureceu. Todo mundo, como esperado, gritou, aplaudiu, chorou, não importa qual foi a reação, mas saudou a entrada do mestre no palco. E Gilmour não decepcionou. Logo pra mostrar o cartão de visitas, 5.A.M., primeira música do novo disco, Rattle That Lock. Apenas ele, solando sobre uma cama de teclados. Um solo delicado, repleto de feeling, que contrastava com a imagem daquela Arena, completamente escurecida. Apenas o primeiro de muitos naquela noite. 

E, conforme a ordem do disco, a segunda música foi a nada floydiana Rattle That Lock. Talvez os únicos aspectos que lembrem o Floyd nessa música sejam o fato dela ser uma canção de Gilmour e, é claro, ter um belíssimo solo. Apesar disso, é um belo som, curti de cara, logo quando ouvi pela primeira vez. Também possui um belo clipe, que foi projetado no telão enquanto rolava o som. Aliás, tenho que comentar depois de falar sobre o show em si algumas mancadas da crew do Gilmour, tipo não projetar ele, ou a banda, sei lá, no telão, enquanto não tinha animação pra passar. Afinal, nem todo mundo é milionário e pagou uma banana pra ficar bem pertinho do palco. Mas enfim, seguindo.

A terceira música do set, assim como no disco, é Faces of Stone. E acho que o velho mandou bem em largar com três músicas do trampo novo. Começo do show o pessoal tá aquecendo, achei interessante deixar mais clássicos do Floyd pro meio/final do show. E mesmo sendo uma música do disco solo dele, Faces of Stone tem uma pegada bem mais Floyd do que as anteriores. Começa calma, com um teclado lento e melancólico, e te conquista aos poucos, com violão, vocal, e finalmente entra a banda, com um andamento meio de valsa, uma valsa meio densa.

Logicamente, a essa altura do campeonato, eu devia ser uma das, talvez, 10 mil pessoas (dentre 40 mil, e estou chutando muito alto) que tinha ouvido as músicas antes, e estava apreciando bastante aquele momento do show, afinal, eu sei como é meio, digamos, complicado de acompanhar um show no qual tu não conhece as músicas. Mas né, como esses talvez 30 mil que sobraram estavam bem interessados em filmar o show (como SEMPRE, afinal, a pessoa gasta 200, 300, 600 reais num ingresso de um evento que vai acontecer talvez uma única vez na vida, mas não consegue deixar de filmar o show, mesmo sabendo que teriam dezenas de vídeos do mesmo show no outro dia), não viram problema algum nesse início mais underground, digamos.

Mas aí veio aquele início clássico. Os canais do rádio mudando, o Tchaikovsky dando as caras e, por fim, sintonizamos em Wish You Were Here. Até mesmo pra mim, que estava curtindo o começo do show só com as músicas do disco novo do Gilmour, foi ali o momento de entender a magnitude da coisa. Não é qualquer um, cara. É David Gilmour. O guitarrista do Pink Floyd, uma das maiores bandas de todos os tempos. E ele estava ali, pisando no palco montado no estádio do meu time do coração, na minha cidade. Tocando aquele solo do início que muitos de nós, pretensos músicos (mesmo de outros instrumentos, como no meu caso) já arriscou nas primeiras casas de algum violão vagabundo. Ali que eu percebi do que se tratava tudo isso, toda a espera, a expectativa.

Mas noves fora a análise emocional/sentimental da coisa, Wish You Were Here foi executada à perfeição. Foi o primeiro momento que pude realmente analisar a banda que Gilmour trouxe para a turnê - apesar de nomes como Jon Carin e Guy Pratt serem parte da história do próprio Floyd. E os caras executam os clássicos com extrema competência, sem mexer nos arranjos originais. Fiel ao que Mason, Waters e Wright fariam. A única diferença que notei foi que Gilmour anda acelerando um pouquinho a música, mas coisa muito pouca. O suficiente para encorpar um pouco a canção, eu diria.

E, logo após esse momento extremamente emocionante de Wish You Were Here, com todo mundo cantando, se emocionando, curtindo o momento... a parte mais monótona do show. A Bruna que me perdoe, mas vou ter que discordar dela. A Boat Lies Waiting e The Blue, quinta e sexta músicas do show, respectivamente, podem ser belas composições e ter seu valor... em estúdio. Nada poderia ter soado mais deslocado ao vivo. Posso pensar, de cara, em pelo menos 10 músicas que poderiam ter entrado no lugar dessas duas. Sei que teve gente que até curtiu, mas eu achei meio chato esse momento.

O lado bom é que ouvir aquele tilintar da caixa registradora, quando acabou The Blue, foi animador. Money é um clássico indiscutível, uma das músicas mais cool do Floyd. Talvez ela nem tenha tanta cara de Pink Floyd assim, e justamente esse diferencial faça dela uma música tão boa. Sei que curti demais. Cantei, fiz air drumming (afinal, não é qualquer bateria do Nick Mason que merece um air drumming), cantarolei o solo. O de guitarra, é claro. Mas faça-se justiça ao solo de sax. João de Macedo Mello, br HU3HU3, paranaense, integrante da banda do Gilmour, mandou muito bem. Fez o solo nota por nota, como tem que ser, e ainda assim com personalidade, dando um pouco do seu timbre nas notas que saíam do sax. Baita músico.

Praticamente emendando em Money, como no Dark Side of the Moon, tivemos Us and Them. Outro momento de emocionar o fã de Floyd. João novamente mandou bem demais nessa música, a exemplo da banda, criando aquela atmosfera quase que flutuante. Cortesia dos teclados também, trabalho desenvolvido, originalmente, pelo saudoso Rick Wright. Acho que foi mais ou menos nesse momento, no show, que comentei com o Leão que, se o mundo da música tivesse dado um pouco de sorte e Wright tivesse vencido seu câncer, talvez estivéssemos vendo ele, junto de Gilmour, naquela noite.

In Any Tongue foi a penúltima música do primeiro set. Bem floydiana, e um tanto quanto soturna, teve uma recepção mais morna, provavelmente por estar "espremida" entre vários clássicos do Floyd, afinal, foi antecedida por duas músicas do Dark Side of the Moon e sucedida por High Hopes, a última música do Division Bell, disco derradeiro do Floyd (desconsiderando o The Endless River, é claro). High Hopes também é um baita som, incontestável e tal, mas se pudesse escolher o set, provavelmente ela não seria uma das primeiras opções. Mas é uma música de muita força, tanto que teve uma das recepções mais calorosas do público. Quando terminou, Gilmour, que já havia falado algumas palavras com a gente, sempre agradecendo muito a recepção que estava tendo naquela noite, falou que a banda iria fazer um pequeno intervalo, coisa de 15 minutos.

Enquanto isso, era hora do pessoal ir no banheiro, renovar a energia, comprando uma ceva ou algo pra comer, e os "selfers" aproveitaram pra tirar suas 2837583475 selfies e filmar o palco, é claro. Eu e o Leão estávamos conversando sobre o quão foda estava sendo o show e estávamos lamentando o fato de estar na metade já, afinal, quem não queria ver o Gilmour por mais umas três horas, né? Além disso, a melhor parte do show ainda estava por vir, pois o primeiro set continha mais músicas do Gilmour solo do que do Pink Floyd.


Dito e feito. Pra começar o segundo set, Astronomy Domine, primeira música do primeiro disco do Floyd, The Piper at the Gates of Dawn. Da época que a banda tinha o Syd Barrett. Aliás, apenas o Syd Barrett, Gilmour ainda nem era membro do Floyd, mas era amigo de Syd. E acabou sendo uma bela homenagem de Gilmour para o amigo. Astronomy soou tão forte, tão alta, que, em certo momento, formou uma massa sonora quase inaudível. Versão realmente visceral desse clássico. Isso sem falar no espetáculo visual, o jogo de luz e sombra, seguindo a lógica da música. Sensacional.

Não menos sensacional foi ouvir aquele longo acorde de teclado, seguido pelas primeiras notas de Gilmour, tornando facilmente identificável que estávamos diante de Shine on Your Crazy Diamond, um dos momentos mais esperados da noite. Gilmour deu uma certa encurtada na música, é verdade, e notamos isso na hora, mas não diminuiu a grandeza desse clássico. Aqui, mais uma vez, quem se destacou foi João Mello, trazendo as rasgadas notas de sax do solo, no fim da música. E, novamente, o solo foi nota por nota.


Fat Old Sun veio em seguida. Sei que teve um pessoal que torceu o nariz um pouco, por não ser tããão forte assim pra um show, por ser meio sonolenta, sei lá, mas eu curti. É uma boa música, pouco lembrada, e a banda quebrou tudo no final, foi bem maneiro o arranjo que o Gilmour trouxe pro show, com esse final mais sanguíneo do que na versão do Floyd. Além disso, o efeito visual com o telão redondo todo com um vermelho meio alaranjado, imitando um "velho e gordo Sol" foi bem maneiro. E, ao final da música, a banda FINALMENTE apareceu no telão. Em vez de desligarem a projeção, o pessoal da edição ficou revezando entre os membros da banda, principalmente o baterista e o tecladista.

E, após terminar Fat Old Sun, tudo escureceu, e soava apenas um acorde longo e grave de teclado. A espera foi longa, acho que uns 30 ou 40 segundos, mas quando aquela primeira nota da Fender de Gilmour soou, tive a maior surpresa do show: Coming Back To Life. Não sabia que ela havia sido tocada em Curitiba, e descobrir na hora do show foi sensacional. Cantei do início ao fim. Sério, quase chorei quando descobri que era essa música. E Gilmour até hoje executa ela com perfeição, cantando muito bem, com sua voz e também com sua guitarra.

Após esse desfile de clássicos, que já tinha quase 10 músicas em sequência, Gilmour resolveu arrefecer um pouco os ânimos e executou a calma e jazzística The Girl in the Yellow Dress. Teve gente que não curtiu também, achou que soou deslocada no show, esse tipo de coisa. Eu achei sensacional. Essa música é um dos destaques do Rattle That Lock, tem toda uma sensualidade na letra e na melodia, o sax é sensacional. Seguindo, tivemos Today, a última música solo de Gilmour no show. Isso por si só já era animador, afinal, além de ser uma boa música do Rattle That Lock, ainda teríamos mais uma meia hora, aproximadamente, de Pink Floyd. O lado ruim? Teríamos apenas mais meia hora de show.


Sobre Today, apesar do início com um backing vocal meio sem graça, entramos em uma melodia meio pop, meio oitentista. Quando estava conhecendo as músicas do show, no dia anterior, tive que conferir na playlist se essa era a Sorrow ou não, pois elas estavam juntas, e sabia que Sorrow era bem datada por ser da fase oitentista do Pink Floyd. E, apesar de soar meio datada, não é uma música ruim, seu baixo é bem pronunciado, ela conta com um belo solo de Mr. Gilmour, como de costume, enfim. Sem motivos para reclamar.

Sorrow foi a penúltima música antes do fim (o fim não oficial, é claro). Aquela introdução sinistra, com Gilmour, apenas ele, iluminado pelos canhões de luz, destacado, fazendo sua Stratocaster urrar em notas graves e distorcidas, criava expectativa sobre o que viria quando entrasse toda a banda. E Sorrow, que já é uma baita música na versão original, fica ainda melhor ao vivo, perdendo um pouco desse elemento meio "anos 80" que permeia a sua melodia. Bela escolha, considerando que não é uma música tão badalada na discografia do Floyd, que poderia ter caído fora até mesmo pra Learning to Fly, do mesmo disco que ela.

Pra fechar o set, Run Like Hell. A música que mais me despertava curiosidade, afinal, como eu mesmo dizia, "como vai ser isso aí? Essa é uma música totalmente Roger Waters". Esqueci, porém, que Gilmour é um mestre em bons arranjos. A música continua com o mesmo tom e, em vez dele tentar se esganiçar todo pra alcançar as notas, o velho, marotamente, divide os vocais com o baixista, Guy Pratt. Gilmour canta a linha mais baixa. Pratt, a mais alta. E assim, a música ficou simplesmente SENSACIONAL. Mais bem cantada que a original, diga-se de passagem (não sou muito fã do estilo do Waters de sussurrar/gritar cantar as suas músicas), com um apelo visual muito foda, cheio de luzes, principalmente o círculo de refletores em volta do telão, que girava aleatoriamente, iluminando o público. Tanta iluminação, aliás, que fez os membros da banda usarem óculos escuros no palco, durante essa música.

E então terminou. Mas espera... cadê Comfortably Numb?

Era óbvio que ainda tinha mais por vir. E veio com tudo. Primeiro tivemos Time, também essencial (aliás, o Leão tava esperando mais por ela que por Comfortably Numb). Time foi executada à perfeição, arranjo extremamente próximo do original, solo sensacional, baixo, bateria, enfim, tudo. Um dos melhores momentos do show, com certeza. E, nem bem terminando Time, Gilmour e sua banda já emendaram em Comfortably Numb.

E aqui tive mais um daqueles momentos em que tu percebe a magnitude da coisa. Um impacto tão intenso em mim, que sempre acompanhou o trabalho do Pink Floyd, mesmo tendo nascido em outra época, quanto no tiozão que comprou vários vinis da banda, na época em que foram lançados. Aquela sensação de ver DVDs como o P.U.L.S.E., ficar maravilhado com os efeitos luminosos, os lasers, toda a experiência durante essa música. Algo que, internamente, tu imaginava que nunca fosse acontecer e, de repente, está ali, depois de mais de duas horas de um grande show, contemplando o grandioso ato final, fechando mais do que dignamente o espetáculo.

E Gilmour parecia não querer acabar. Seu famoso segundo solo misturava partes do solo da versão de estúdio com partes cuidadosamente estudadas, executadas e inseridas na música ao longo desses quase 40 anos em que ela fecha os shows de Gilmour, além de alguns improvisos. E as voltas passavam, muitas voltas de um solo maravilhoso, enquanto o público aplaudia e, secretamente, tenho certeza que torcia para, se fosse o caso, aquele solo durar mais 10, 20 minutos.

Mas como a vida não é assim, e o Gilmour tinha compromisso dois dias depois, na Argentina, a nossa belíssima versão de 8 minutos de Comfortably Numb foi a coroação de uma noite simplesmente perfeita, do início ao fim. Agora é torcer pra que, um dia, ele volte pra nos fazer celebrar, mais uma vez, a arte, a música do Pink Floyd. Será bem recebido, sem dúvidas.